quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Entrevista de José Eduardo Cardozo para a Folha de São Paulo


Confira aqui a entrevista concedida por José Eduardo Cardozo ao jornal Folha de São Paulo na quinta-feira (29/11).

Folha - O que está em jogo nesta disputa pela presidência do PT? São os projetos de 2008 e 2010?

José Eduardo Cardozo - Mais que uma renovação de direção partidária, nós temos agora um projeto de partido sendo decidido nestas eleições. Não só para 2010. Eu acho que para os próximos dez, 15 anos do PT. De acordo com o resultado desta eleição, teremos talvez um mudança muito significativa nos métodos de direção e nas questões que, no nosso modo de entender, hoje trazem problemas sérios de esvaziamento das instâncias partidárias, um afastamento da militância, uma confusão clara que existe entre o governo que apoiamos e o partido. Portanto, acredito que esta eleição define o projeto dos próximos dez, 15 anos do PT, passando, claro, por 2008 e 2010.

Folha - O cenário é de favoritismo da candidatura de Ricardo Berzoini, ou seja, não é uma tendência de ficar tudo como está?

Cardozo - Não. Não tenho dúvida de que a candidatura de Berzoini é muito forte. Mas, em primeiro lugar, não creio que nenhuma candidatura ganhe no primeiro turno. Acredito que Berzoini deverá estar no segundo. E, havendo segundo turno, a possibilidade de derrota de Berzoini é grande. Nós temos hoje clara corrosão de sua base de sustentação, em diversos Estados. Temos visto um desejo de renovação da militância do PT, inclusive militantes históricos do próprio Campo Majoritário. Portanto, não creio que as coisas estejam tão tranqüilas assim e que se possa apontar um favoritismo de Berzoini. Lembro que na eleição passada, tendo uma densidade de apoios mais substantiva do que a que tem hoje, Berzoini ganhou de Raul Pont por uma diferença muito pequena. E hoje, muitas pessoas que apoiavam a sua candidatura hoje não o apoiam mais. Se a candidatura de Berzoini expressa uma mudança de rumos, então que explicite uma confissão de equívocos passados. Se não implica, então por que as coisas estão hoje como estão?

Folha - Essa disputa ocorre após as crises de 2005 e 2006, sendo que a última envolveu Ricardo Berzoini. A impressão que se dá é de que não haverá renovação no PT.

Cardozo - Essa eleição é decisiva para isso. Há muitas lideranças no PT, muitos militantes, muitos parlamentares que têm claro que, se não renovarmos agora a direção partidária, e mais que a direção partidária, se não renovarmos os métodos de direção, o partido irá passar por um processo de enfraquecimento e talvez com repetição de crises cíclicas. Ou seja, isso mostra a situação de esvaziamento partidário que temos hoje, a introdução de militância paga, lamentavelmente, em campanhas eleitorais --nós, que sempre tivemos militância ideológica--, a matriz autoritária que existe na atual direção e que faz com que alguns poucos decidam a política do PT e imponham essa política verticalmente sem um processo de discussão amadurecido. A atuação dos nossos dirigentes tem sido mais da busca pela hegemonia interna que pela construção partidária. Tudo isso tem levado a uma situação grave, inclusive na ausência de transparência das finanças partidárias. É curioso que um partido que defenda o orçamento participativo não tenha transparência em seu orçamento interno. É necessário que se saiba de onde vêm os recursos do PT e para onde vão. E, claro, democratizar a utilização desses recursos. Eles não podem ser utilizados na construção da hegemonia interna do grupo dominante. Têm que ser utilizados na construção do partido. Ou tudo isso muda, ou as crises se repetirão. Eu acho que é impossível um petista que viveu a crise que vivemos e sabe do estado atual do nosso partido não pretender que as coisas sejam renovadas.

Folha - As crises então permanecem remoendo no partido?

Cardozo - As crises são efeitos que têm causas. Enquanto as causas não forem removidas, os efeitos permanecem. A causa da crise está exatamente no modo de direção, que está exaurido e não pode mais permanecer. Não é possível que nós permaneçamos tão distantes dos movimentos sociais como estamos hoje, inclusive com práticas graves onde parece que os movimentos sociais são instrumentalizados por mandatos, quando na verdade temos que dar autonomia aos movimentos, até para que possam nos criticar. Ou seja, esse afastamento dos movimentos, a ausência de democracia interna e a ausência de percepção de que a ética na política é um pressuposto fundamental para a ação transformadora que o PT propõe ter, tudo isso tem que ser tratado imediatamente com uma mudança de método e de política de direção. Isso é a causa das crises. Se tivéssemos transparência na questão financeira interna nós não teríamos tido a crise de 2005. É óbvio isso. Não teríamos tanta desagregação partidária se aqueles que não pensam como a direção não fossem tratados como inimigos internos. É claro que a maioria tem que impor sua política, faz parte da democracia, mas não tenho que esmagar, destruir e aniquilar aqueles que pensam diferente. Essa matriz tem que ser modificada. Você só consegue isso com uma mudança na direção, colocando pessoas que tenham outra forma de entender a construção partidária.

Folha - Que bandeiras programáticas o PT deve ter para as eleições de 2008 e 2010?

Cardozo - Acho que a primeira coisa que temos que ter clara, como premissa, é que não podemos mais ter confusão entre governo e partido. O governo é um ponto de gestão do Estado sustentando por diversas forças políticas. O governo Lula é formado por várias forças, e uma delas, talvez a mais importante, seja o PT, por ser o partido do presidente. O PT é um partido político, um conjunto de pessoas com dimensão ideológica e uma ação política que se pretende comum. O PT não é o governo Lula. Então não tem sentido dirigentes partidários serem porta-vozes do Palácio do Planalto. Como também não tem sentido o partido querer ser o governo, assumir a gestão do Estado. O partido disputa políticas e deve fazer a defesa do governo Lula, apoiá-lo e propor que cada vez mais esteja adequado às suas bandeiras e às suas propostas. Isso leva a uma projeção imediata. Uma coisa é a base de sustentação de um governo, que terá a composição das forças políticas necessárias a que esse governo possa se sustentar. Outra coisa são as alianças políticas prioritárias que um partido deve ter. O PT tem que ter políticas prioritárias de centro-esquerda. Eu não quero dizer com isso que os governos petistas não tenham a composição necessária à sua governabilidade, desde que respeitados seu programa e princípios éticos. Mas o PT, enquanto partido, tem que buscar prioritariamente alianças com quem tem mais identidade ideológica, política e programática. Não tem sentido o PT buscar, prioritariamente, alianças à direita e se isolar de partidos como o PC do B, o PSB e o PDT, como tem acontecido. Esses partidos hoje formaram um bloco de esquerda e me parece equivocado que o PT, o maior partido de esquerda que temos no país e na América Latina, não esteja no bloco de esquerda. É lá que ele tem que construir políticas prioritariamente. Nisso eu vejo um terreno direcionado a 2010. Ou seja, o PT, já em 2008, deveria procurar alianças ou a construção partidária prioritária com essas forças políticas. Sem prejuízo de, em cada situação regional, avaliar o contexto da tática eleitoral. Isso é rumo para 2008 e 2010. Temos que construir nossas candidaturas sem arrogância, sem prepotência e sem imposições, tratando as forças aliadas não como subordinadas, mas como forças que legitimamente podem também querer colocar nomes para suas candidaturas e a partir daí fazer uma construção comum.

Folha - Mas no quadro atual é irreversível que o PT tenha candidatura e que esses aliados tenham outras, como Ciro Gomes?

Cardozo - Acho absolutamente legítimo ao PT que possa colocar um nome de seus quadros para ser candidato à sucessão do presidente Lula. Seria irrazoável imaginar que um partido da dimensão do PT, tendo o atual presidente da República e tendo os quadros que tem dissesse 'vou abrir mão de apresentar qualquer nome meu para a sucessão de Lula'. Isso seria um absurdo. É como se o PT não se achasse capacitado sequer para ter nomes. Agora, é natural que uma candidatura petista tenha que ser construída num diálogo com outras formas. Não podemos dizer 'vocês vêm conosco apenas se respeitarem nossos nomes'. Isso é processo de construção, de aproximação, onde não podemos agir de forma arrogante. Temos que ter um processo maduro de construção política. É necessário e fundamental que desde já, com a próxima direção, seja implementado. Por exemplo, é bandeira fundamental a reforma política. E o PT tem que ter um papel ativo nisso, iniciando diálogo fraterno com outras forças de centro-esquerda. Nós não temos buscado essa ação de articulação com outros partidos. Não é só para eleição que digo isso. Falo para políticas comuns. Temos que ter uma posição partidária e o diálogo com os partidos políticos. Não podemos nos resumir a sermos um cartório de homologação das políticas de nossos governos. Temos que propor, articular, falar com outros partidos, construir situações favoráveis para mudanças. Infelizmente o PT não tem agido assim nos últimos tempos.

Folha - É consenso que a eleição de 2010 será atípica com a ausência de Lula. É um cenário novo para os dois campos. Isso impõe a necessidade de programas consistentes, já que não haverá nomes fortes?

Cardozo - A definição de nome e a definição programática têm igual peso na eleição de 2010. O nome de uma candidatura petista tem que ser construído junto com um programa sólido de governo. Não podemos ignorar que a ausência de Lula traz a dimensão que temos que construir em novos termos uma nova candidatura. Temos desde já que nos preocuparmos com uma proposta de governo que sinalize claramente para a sociedade brasileira que a candidatura apoiada por nós seja a continuidade do governo Lula. Não a continuidade inercial, mas na perspectiva de manter as conquistas e aprofundar. Portanto, a nova direção nacional terá não só o papel de construir candidaturas, mas construí-las sem a situação de busca de hegemonia.

Folha - Há uma avaliação de segmentos do partido que será mais difícil para Ricardo Berzoini defender a candidatura própria, que Jilmar Tatto favoreceria Marta Suplicy [em 2010] e que a sua candidatura dá força ao ministro Tarso Genro.

Cardozo - Eu respondo pela minha chapa. Nós não nos reunimos com preocupação de candidatura. Nos reunimos em torno de princípios e programas, de uma análise crítica do que vem acontecendo com o PT. Em nenhum momento fizemos quaisquer aglutinações pensando em A, B ou C, Presidência da República ou governos de Estados. Isso dá a nossa candidatura uma dimensão clara de que ao presidente do partido não cabe construir uma certa candidatura. Cabe a ele construir o que é melhor para o partido em 2010. Se eventualmente eu vier a ser presidente do PT, ninguém deve esperar que vou direcionar minha ação para favorecer A, B ou C. Vou buscar encontrar o melhor caminho para que o PT tenha uma candidatura e que essa candidatura, substantivamente, seja a que sinaliza para a sociedade brasileira a continuidade do governo Lula.

Folha - É constrangedor para o PT ter uma candidatura a presidente do partido de alguém citado no último escândalo [o dossiegate]?

Cardozo - Não, pelo contrário. Temos defendido com muita ênfase a questão da ética na política. Porém, o que é importante ter claro é que em nenhum momento estamos nos dispondo a fazer uma análise casuística e individualizada das situações quando se fala de ética. Porque isso traria a esse debate a fulanização que só despertaria disputas políticas indevidas e incorretas nesse momento. A disputa é pela presidência do PT, não pela presidência de um tribunal. Ou seja, o que um partido político tem que fazer não é julgamentos, mas uma afirmação de linha política. Não senti de nenhum dos candidatos constrangimento com relação a essa questão. É claro que a questão ética envolve polêmicas, eu sei que esse é um elemento diferencial da nossa chapa, mas em nenhum momento essa discussão caiu numa dimensão rasteira. Ela tem sido colocada como questão de princípio e norte político.

Folha - Para ficar claro: o senhor não é defensor incondicional da candidatura própria em 2010.

Cardozo - É natural e legítimo que o PT postule um candidato seu. Agora, há que ser claro que isso seja feito sem arrogância e sem imposição. Porque quando você chega e diz 'o candidato é meu e quem quiser que venha comigo' você dá o primeiro passo para o isolamento. Temos que ter clareza de que os partidos de esquerda são nossos aliados, não nossos subordinados. Portanto, da mesma forma que é legítimo que coloquemos nossas candidaturas e que eles coloquem as deles. No final, vou ser sincero, acho que nós temos bons nomes e que se soubermos construir esse processo é natural que o candidato para suceder Lula, das forças de esquerda, seja um petista. Mas temos que saber lidar com essa situação e ser menos arrogantes."

Nenhum comentário: